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A participação política na Primeira República


Até 1930, pode-se dividir o povo da República em três partes. Imaginemos um grande círculo contendo em si círculos menores. O grande círculo representa o total da população do país; os círculos menores, as parcelas dessa população dividida de acordo com sua participação política. Movimentando-nos do centro para a periferia, chamemos o círculo menor de povo eleitoral, isto é, aquela parcela da população que votava; o círculo seguinte, um pouco maior, representa o povo político, isto é, a parcela da população que tinha o direito de voto de acordo com a Constituição de 1891; o círculo seguinte é o do povo excluído formalmente da participação via direito do voto.
De acordo com os dados do censo de 1920, teremos uma população total, representada pelo círculo maior, de 30,6 milhões. Este é o povo do censo que, pelo menos em tese, possuía direitos civis. Mas quantos desses cidadãos civis eram também cidadãos políticos, quantos pertenciam ao corpo político da nação? Para calcular esse número, temos primeiro que deduzir do total os analfabetos, proibidos por lei de votar. O analfabetismo na época, atingia 75,5% da população. Feito o cálculo, restam 7,5 milhões. Depois, é preciso descontar as mulheres. Embora a lei não lhes negasse explicitamente o direito do voto, pela tradição não votavam. Ficamos com 4,5 milhões. Os estrangeiros também não tinham o direito do voto. Nosso número cai para 3,9 milhões. Finalmente, os homens menores de 21 anos também não votavam. Ficamos reduzidos a míseros 2,4 milhões de brasileiros legalmente autorizados a participar do sistema político por meio do voto. Ficam fora do sistema, excluídos, 28,2 milhões, 92% da população.
Se eram poucos os que podiam votar, menos ainda eram os que de fato votavam. Nas eleições presidenciais de 1910, uma das poucas em que houve competição, disputando Rui Barbosa contra o marechal Hermes da Fonseca, a abstenção foi de 40%. Os votantes representaram apenas 2,7% da população. No Rio de Janeiro, capital da República, onde 20% da população estava apta a votar, compareceu às urnas menos de 1%. Votar na capital era até mesmo perigoso devido à ação dos capangas a serviço dos candidatos. Quem tinha juízo ficava em casa. Como disse Lima Barreto de sua República dos Bruzundangas: “[Os políticos] tinham conseguido quase totalmente eliminar do aparelho eleitoral este elemento perturbador – o voto”. A eliminação do voto completava-se com a fraude. Ninguém podia ter certeza de que seu voto seria contado a favor do candidato certo.
Significa isso que o povo da Primeira República não passava da carneirada dos currais eleitorais e da massa apática dos excluídos? Seguramente que não. Por fora do sistema legal de representação havia ação política, muitas vezes violenta. Entre os poucos que votavam, os que escolhiam não votar e os muitos que não podiam votar, havia o que chamo de povo da rua, isto é, a parcela da população que agia politicamente, mas à margem do sistema político, e às vezes contra ele. É difícil calcular o tamanho desse povo. Podemos apenas surpreendê-lo em suas manifestações. E podemos também dizer que ele existia tanto nas cidades como no campo.

(Texto extraído de José Murilo de Carvalho, O pecado original da República in http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/o-pecado-original-da-republica)





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